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segunda-feira, 25 de maio de 2009

Memorial Descritivo

Reflexivo

Afetivo

Profissional
Se as coisas são inatingíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las...
                                                                                               Que tristes os caminhos, se não fora
                                                                                                A presença distante das estrelas.

                                                                                                                                    Mário Quintana
Meu nome é Nancy Santos Caldas, sou professora de Língua Portuguesa e formadora do Programa Gestar, no estado da Bahia. Iniciei a minha jornada como professora, quando, em 1980, ao concluir o primeiro ano do Ensino Médio, na época denominado Ensino Básico, fiz opção pela mudança de escola para ingressar no Magistério, chamado também de Curso Normal. Desde então começou uma relação de afinidade entre mim e a Educação. Fui bem sucedida durante os dois anos de curso, em especial em disciplinas como Metodologia do Ensino de Comunicação e Expressão e Estágio Supervisionado.
Terminado o segundo grau prestei vestibular para Licenciatura em Letras e Artes, na UEFS, Universidade Estadual de Feira de Santana, fui aprovada com boa classificação. Já no primeiro semestre percebi que era realmente aquele o curso que eu queria, mas confesso que, por diversas vezes me senti decepcionada com o modelo de formação oferecida pelo curso. Havia um distanciamento muito grande entre os estudos e avaliações às quais eu era submetida enquanto estudante, e a realidade de escola que conheci, quando desempenhei o estágio supervisionado do Curso Normal. Alguns professores me convenceram de que aos dezessete anos (minha idade quando comecei o curso) não se entende muita coisa sobre formação acadêmica, funcionamento de escola, etc.
Imatura, passei os semestres seguintes fazendo leituras, apresentando trabalhos, nos quais eu sempre me saía muito bem, curtindo o curso sem preocupações com sala de aula, mesmo porque não voltei a dar aulas até o quinto semestre, quando fiz o primeiro estágio orientado do curso de Letras. Foi uma estranha sensação, pois à vontade com os alunos, conseguindo um relacionamento muito bom, sentia uma dificuldade enorme de ensinar assuntos que, a princípio, eu dominava muito bem. Já não tão imatura, discuti com alguns professores que atribuíram minhas dificuldades à inexperiência, eu era uma das mais jovens da turma e das poucas que não trabalhavam efetivamente em sala de aula. Entendi que, infelizmente, não seria ali que eu teria respostas para os meus questionamentos. Uma das minhas irmãs (minha família é muito grande, tenho sete irmãs e um irmão) se formou também em Letras no mesmo ano em que eu comecei o curso. Foi ela quem me disse que quase nada do que se estuda na universidade se aplica na vida profissional. Achei meio cético, mas ela estava trabalhando em várias escolas particulares, cheia de planejamentos, provas a corrigir, reuniões a participar... eu queria aquilo também para mim, e tratei de levar o curso adiante.
No último ano do curso, enfrentamos uma greve de professores que atrasou a formatura em um semestre. Neste período eu dava aulas particulares de Língua Portuguesa, e antes da conclusão do curso fui convidada para trabalhar em duas escolas particulares. Nesses trabalhos, influenciada por alguns colegas e coordenadores, comecei a acreditar que ser um bom professor era simples. Você precisava ter firmeza no olhar, segurança na voz, mesmo que não tivesse certeza do que estava falando, além de manter o aluno ocupado: muitas explicações, muitos exercícios, e tudo muito difícil, caso contrário os alunos poderiam achar que você era boazinha e acabariam tomando conta da aula e não respeitando você.
Fiquei pouquíssimo tempo nessas escolas, pois os horários do estágio do último semestre começaram a complicar e eu não queria, em hipótese alguma, atrasar a conclusão do curso.
Quando concluí o curso, não tive tempo de planejar minha vida profissional, recebi convites e comecei a trabalhar em várias escolas particulares, a princípio pequenas escolas, depois as maiores e mais famosas da cidade, dessa forma, não me sobrava tempo para nada e eu me sentia envaidecida a cada dia, não tinha tempo nem mesmo para participar das reuniões das escolas, o que me deixava distante dos problemas discutidos. Foi quando comecei a perceber que estava me tornando refém daquela situação, pois trabalhava os três turnos todos os dias e aos sábados e domingos sempre havia o que corrigir, o que preparar... Resolvi que precisava diminuir o ritmo, assim tentei reduzir um pouco a carga de trabalho semanal. Foi difícil, mas nunca estive só, sempre pude contar com pessoas que me foram e são preciosas. Alguns colegas e coordenadores muito me ajudaram a desconstruir aquela idéia de bom professor que comentei anteriormente. Passei a participar de grupos de estudo, seminários oferecidos pelas escolas e das reuniões de coordenação pedagógica.
Tudo isso ajudou no amadurecimento do meu fazer profissional e eu não mais estava satisfeita com os rumos que dava a minha vida. Comecei a sentir necessidade de estudar e pensei em fazer uma pós, porém adiei o projeto pois, depois de muitos anos, haveria concurso para professores de escolas públicas e eu iria participar. O concurso aconteceu em 1989, fui bem classificada e achei que a sonhada realização profissional estava chegando.
Foi a maior decepção da minha vida começar a trabalhar na escola pública. Eu tinha toda uma história no ensino privado, não consegui me adaptar ao descaso, à falta de responsabilidade e de respeito com que o ensino público era tratado, não só pelos governantes, mas e principalmente pelos que deveriam ser sujeitos na situação: professores, alunos, diretores, pais... fiquei enlouquecida em especial, ao ver colegas que, junto comigo faziam belíssimos trabalhos na rede privada e tratavam a escola pública com descaso e irresponsabilidade. Resolvi, então, pedir exoneração, pois não poderia compactuar com aquela situação. Comentei a decisão, que não era só minha: aquela minha irmã também professora resolveu tomar a mesma decisão. Os colegas reclamaram, disseram que seria loucura, mas estava certa do que queria, até que alguém me disse que já esperava por isso, pois eu era muito frágil e não teria coragem de enfrentar escolas de verdade. Desisti de desistir e fui trabalhar no Colégio Estadual Odorico Tavares, escola onde estudei durante nove anos e na comunidade onde morei quase toda a minha vida (minha irmã pediu exoneração, foi para Salvador, continuou dando aulas em cursinhos e passou no vestibular para Jornalismo na UFBA, hoje atua nas duas áreas...).
Juntei-me a algumas colegas e montamos grupos de estudos e organizamos um clube de leitura que foi um verdadeiro sucesso na escola. Neste período, início dos anos noventa, ainda havia nas nossas escolas alguns cursos profissionalizantes. Fui por dois anos, coordenadora do curso Técnico em Administração. Além de dar aulas de Língua Portuguesa, orientava os planejamentos, encaminhava estágios junto às empresas, eram atividades bastante dinâmicas. No final do ano ainda organizava a formatura, que era celebrada com exagerado requinte.
Com o fim dos profissionalizantes o estado implantou o Ensino Médio com currículo que se aproximava do da rede privada. Queria voltar aos áureos tempos de escola pública de qualidade que aprovava no vestibular. Planejou mal: não investiu em recursos materiais nem humanos, as escolas estavam sucateadas e os professores não recebiam formação continuada nem remuneração adequada, assim tudo se encaminhava para a falta de perspectiva, pois, terminado o segundo grau os alunos não passavam no vestibular nem tinham qualquer conhecimento profissional...
Conservando o Ensino Médio, mais um curso foi implantado: o curso de Aceleração. Tinha como objetivo, como o próprio nome diz, acelerar a estada do aluno na escola, em dois anos o segundo grau era concluído. Fui convidada a coordenar esse curso (que depois virou EJA- Educação de Jovens e Adultos e que este ano passou a ser ET – Eixos Temáticos). Foi uma boa experiência, pois precisávamos organizar projetos que seriam vivenciados durante cada unidade por todos os professores do curso. Difícil lidar com alguns professores que não aceitavam trabalhar com projetos, mas que também não tinham idéia melhor, apenas não queriam – ou não sabiam - fazer. Conseguimos levar o curso à frente, com a qualidade possível para um segundo grau de dois anos.
Em 1998 coordenei o turno vespertino, ensinos fundamental e médio e, junto com um grupo muito bom realizamos trabalhos bastante significativos. Durante todo esse tempo trabalhava também em escolas particulares percebendo, cada vez mais o distanciamento entre as duas redes.
Em 2001 a diretora me convidou para ser articuladora da área de Linguagens, foi a função que me mostrou que eu precisava estudar (até então meus estudos se resumiam aos que fazíamos nas reuniões pedagógicas), como articular o que eu não conhecia? Voltei para a universidade, dessa vez a UNEB – Universidade do Estado da Bahia onde fiz uma especialização em Planejamento Pedagógico. Foi um curso que, além de elevar minha auto-estima – ter uma pós, mudança de nível... – ainda fortaleceu meu desempenho nas duas funções: regência e articulação.
No final de 2003 entrei para o Programa Gestar. Naturalmente meio apreensiva, queria conhecer um pouco para ver se haveria identificação. Gostei do material, do calor com que a coordenação me acolheu e aos poucos fui conhecendo a proposta. Tudo em encantava, especialmente porque continuava na escola particular e adaptava as estratégias propostas para aplicar em minhas turmas, a maioria com sucesso total. Os encontros de formação foram riquíssimos, tive a oportunidade de estudar com professoras como Leila Teresinha Simões Rensi, Cátia Regina Braga Martins e principalmente Maria Antonieta Antunes Cunha com quem troquei inúmeras idéias sobre as propostas dos TP.
Precisei rever uma série de conceitos que alimentava sobre o ensino de Língua Portuguesa, em especial quando comecei a ministrar oficinas. A clientela do Gestar I era formada de professores de primeira à quarta série do fundamental que eram inteiramente desprezados – pelo sistema, pelas direções, pelos pais, por nós – preconceituosos professores de ensino médio... e além de Língua Portuguesa e Matemática, o Gestar precisava levar esperança. As oficinas de Psicopedagogia foram determinantes para o sucesso desse trabalho. Foi quando comecei a descobrir que a realização profissional existe, está bem aqui, na caminhada, não na chegada.
Trabalhei com o Gestar I em Feira de Santana, São Gonçalo dos Campos, Santo Estevão e Coração de Maria (nas duas primeiras, fiz oficinas, acompanhei professores nos plantões, observei aulas, participei de AC- atividades complementares, além de ganhar presentes e amigos; nas demais, apenas fiz oficinas esporádicas).
Em 2005 começaram as atividades do Gestar II e fiquei ainda mais encantada, pois tudo era muito mais próximo de mim, já que sempre havia trabalhado com ensino fundamental. Aplicava (ainda aplico, continuo em sala de aula) as sugestões de trabalho com as minhas turmas de 5ª/8ª antes de levá-las para as oficinas.
A clientela do Gestar II é bastante diferenciada do Gestar I, são professores que, de um modo geral estão mais atualizados, mais confiantes e mais desconfiados: acham que o Programa pode ser “mais um programa de faz-de-conta do governo”, questionam o espaço, o material – trabalhamos até 2008 com Xerox, não tivemos módulos bonitinhos, coloridos – e, em especial, questionam a competência dos formadores. Mas é só no início, pois logo percebem o diferencial do curso: a aplicabilidade de tudo, ou quase tudo o que se estuda e a alta dose de afetividade com que cada coisa é preparada. Aí a sedução se faz e com as minhas turmas, a sedução foi completa e recíproca.
Desde 2006 reduzi a carga horária na escola particular para assumir, no noturno, algumas aulas no ISED Faculdade Eneb – Instituto Superior de Educação, Escola de Negócios da Bahia. É uma faculdade que começou como escola de negócios e fundou em seguida uma escola de educação. Fui trabalhar com o curso de Pedagogia – Licenciatura, com a disciplina Literatura Infantil. É um trabalho muito gostoso, aplico quase tudo do Gestar e consigo uma interação maravilhosa com as turmas. Meus alunos ressaltam sempre o diferencial das nossas aulas que conseguem aliar tão bem a prática à fundamentação teórica. Tenho plena consciência de que, essa aprendizagem significativa, conheci no Gestar.
Em agosto de 2008 fui à Brasília, junto com a coordenação estadual do programa, apresentar o desenvolvimento do Gestar aqui na Bahia. Foi muito gratificante estar ali, mostrando para representantes de todos os pontos do país, que a Bahia, estado discriminado por grande parte da população, não tem só carnaval e praia bonita. Tem gente envolvida e envolvente, que faz trabalhos que dão certo. Gente que não está alheia aos problemas da educação e que faz muito mais do que diagnosticar cada um desses problemas, para publicar em revistas e jornais. A proposta do Gestar é que onde houver escola, haja também um “gestaleiro” que rompa barreiras e que ressignifique aprendizagens.
No final de novembro do ano passado, viajei com um grupo da Cine Vídeo. Fomos a Pernambuco – Caruaru e Nazaré da Mata e a Minas Gerais – João Monlevade. Nestas cidades orientei professores que participariam das filmagens para uma série de programas que serão exibidos na TV ESCOLA no próximo mês. Foi bom demais, em Caruaru organizamos uma aula que envolvia passeio na feira e conversa com repentistas, além de um trabalho muito gostoso com leituras e produção de Cordel.
Em Nazaré da Mata o trabalho foi com o Maracatu, e eu fiquei encantada com a riqueza cultural e com as aulas que poderíamos desenvolver partindo daquilo que para alguns era um verdadeiro espetáculo, e que está ali, fazendo parte da vida daquele lugar.
Em Minas, na cidade de João Monlevade conheci o Coral Família Alcântara. Organizamos uma apresentação num teatro, fomos à emissora de rádio e à redação de um jornal para divulgar a apresentação. Em todos esses lugares foi maravilhoso apresentar o Gestar e a proposta de atividade que era sempre muito elogiada. Em alguns momentos precisamos lançar mão de uma série de argumentos para convencer alguns professores a participarem das gravações, curioso perceber, que estando à frente de tantos alunos todos os dias, nos intimidamos diante das máquinas... Estou ansiosa para ver o resultado de um trabalho do qual eu participei do processo.
Nosso estado é muito grande e tem uma diversidade cultural enorme, como os encontros de formação não nos davam tempo para uma interação maior e que viesse contemplar em nossas oficinas toda essa riqueza cultural, a coordenação estadual, no final do ano passado teve uma idéia muito boa. Dividiu a Bahia em cinco áreas, cada uma delas recebeu uma espécie de articulador de Língua Portuguesa e um de Matemática. Eu assumi a área 02 que compreende 09 DIREC – diretorias regionais de educação. Cada DIREC atua sobre um número de cidades. Os articuladores têm a função de reunir os formadores de sua área, ouvir sugestões, orientar estudos e, como o nome diz, articular para que toda a Bahia possa “falar a mesma língua gestaleira”.
Neste momento profissional estou me sentindo cheia de energia. Acabamos de realizar uma seleção para novos formadores do estado. Participei de todo o processo, desde a divulgação nas escolas, até o resultado final. Estive durante toda a semana passada em Salvador planejando com os demais articuladores as ações a serem desenvolvidas em cada área, bem como as orientações para os novos formadores. Quero seguir em frente, não devemos parar porque o Gestar é vivo e leva esperança de vida significativa a tantas escolas e a muitas outras vidas.

As mais belas descobertas ocorrem
quando as mesmas coisas
são vistas com um novo olhar.Malu Schneider.
Feira de Santana, 05 de abril de 2009
Nancy Caldas